quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

TRUMP, PAGANDO AS "CONTAS" DA CAMPANHA OU INOVANDO NA GEOPOLÍTICA?



Quando Bush invadiu o Iraque apenas dois anos após sua posse, era mais do que evidente que estava pagando dívida de campanha. Você olhava para o mapa do Iraque e logo enxergava nele a sombra do pentágono e da indústria da guerra. Quando vemos Trump anunciando a retomada de uma corrida armamentista, é natural fazer a analogia - e talvez pagar dívida de campanha seja mesmo a verdadeira razão de seu anúncio tresloucado.
Mas esses dias me veio à cabeça, lendo o texto de uma palestra do professor de Economia da UFRJ, Ronaldo Fiani (que o Fernando Brito me passou), que talvez houvesse algum pensamento esperto em sua equipe e que sua motivação seria outra. Ou melhor, agregaria outra motivo forte. Tudo começou a fazer sentido a partir daquele telefonema de Taiwan, que teria custado a bagatela de 140 mil dólares ao governo taiwanês (pago ao amigo de Trump, que teria intermediado a ligação). Foi o primeiro punch de Trump na China, que reagiu imediatamente e com bastante vigor.
Depois teve a história do planador americano que a China capturou no Mar da China Meridional. Trump esbravejou que a China poderia ficar com ele. E Trump ainda coroou sua equipe de Relações Exteriores com um inimigo ferrenho dos chineses.  De lá pra cá, a China, através do Global Times (Diário do Povo), mistura vigor com ironia em suas respostas. Mas a ironia maior é que Trump foi eleito com ajuda essencial de Putin - um aliado estratégico da China. Aliás essa aliança está na essência do texto de Fiani.
"A parceria Rússia-China, ao contrário do que a imprensa tenta sugerir, não é uma aliança de conveniência, é uma parceria estratégica. (...) Com potencial de alavancar um projeto de integração 'Eurásia' que os norte-americanos - do seu ponto de vista corretamente - percebem como uma ameaça à situação dos EUA, porque uma vez integrada economicamente essas duas regiões, eles e o Japão, só para citar alguns, serão naturalmente jogados para a margem do sistema" (Em tempo: a principal linha ferroviária de alta velocidade da China, ligando leste-oeste começou a operar hoje, 28 de dezembro de 2016).  Mais adiante: "Como é que ficam a América Latina e Caribe nisso? Primeira questão: petróleo na América Latina e no Caribe. Aí tem-se o primeiro mandamento do ponto de vista geopolítico:  negar o acesso ao petróleo para projeção de poder em escala global. (...) Dado esse papel geopolítico crucial do petróleo, qual tem sido a estratégia chinesa na América latina e no Caribe? Empréstimos em troca de petróleo".

Fiani continua com muita precisão mostrando a estratégia geopolítica chinesa envolvendo a América do Sul e o Caribe. E tudo que ele diz só faz fortalecer a possibilidade de Trump estar tentando impedir o avanço chinês nessas bandas de cá. Incluindo tentando enfiar uma cunha na aliança sino-russa.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

TRUMP E AS DÍVIDAS DE CAMPANHA


Em 20 de maio de 2007, postei aqui neste Blog (que retomo hoje, depois de 6 meses) que os Estados Unidos tinham dobrado a participação de mercenários em sua invasão do Iraque. E usei principalmente dados de uma reportagem, na Folha, de Sérgio Dávila ("Mercenários no Iraque se igualam a EUA"). Mostrava que o número de mercenários (eufemisticamente tratados como "soldados privados") americanos já tinha quase se igualado ao número de soldados oficiais (algo entre 100 mil e 130 mil para mercenários e 145 mil para "soldados oficiais"). Com uma diferença bem importante: os mercenários eram melhor equipados e recebiam salário maior do que o da tropa oficial. Segundo a Democrata Jan Schakowsky, da Comissão de Inteligência da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, 40% da verba destinada ao Iraque pelo contribuinte americano ia parar nas mãos de empresas de segurança privada. O soldado mercenário trabalhando numa área perigosa ganhava por dia o mesmo que um soldado de faixa média do exército americano ganhava em um ano. E por que tudo isso? Por que terceirizar a política externa dessa forma, como alertava o documentarista Nick Bicanic, autor de "Shadow Company" (A companhia fantasma)? Sem dúvida alguma, havia a necessidade de "pagar a dívida de campanha". A empresa de segurança privada Blackwater (a maior de todas, criada pelo religioso Erik Prince e ligada a Republicanos), por exemplo, foi um dos maiores doadores da campanha de Bush.
Quando leio hoje as notícias alucinadas de Trump defendendo a retomada de uma corrida armamentista, não posso pensar em outra coisa: está tratando de pagar dívida de campanha.
Alguém talvez ainda pense que nos Estados Unidos não tem disso - mas, na minha opinião, trata-se de um dos esquemas mais corruptos que existem. E isso torna-se cada vez mais evidente quando o financiamento das campanhas é privado, e não público. Acho que falei em algum momento que, quando entrevistei o consultor político Jeff Greenfield, em 1974 (Nova York), perguntei o que ele mudaria no sistema eleitoral, ele respondeu: o dinheiro. Já naquela época, defendia tempo eleitoral gratuito na TV (pelo menos isso, nós temos), financiamento público geral e campanhas menores. Essas contribuições privadas monumentais nunca são de graça. Ficam cada vez maiores e os "contribuintes" buscam retorno imediato (embora de forma velada). Trump foi muito rápido em inventar tensões internacionais. Aparentemente, ele não busca uma guerra real, como fez Bush. Seria apenas uma gigantesca corrida armamentista que daria tranquilamente para pagar as contribuições. Mas o risco é muito grande. Como também contribui fortemente para aumentar o risco que corre a democracia americana, como bem alertou Paul Krugman.
Hoje, li o texto de uma palestra de Ronaldo Fiani que traz uma visão geopolítica bem interessante que poderia justificar esses movimentos trumpianos. Trarei para cá amanhã.

quarta-feira, 22 de junho de 2016

SÃO PAULO NÃO PODE VOLTAR.



Li ontem, no Brasil 247, um Ibope para prefeito de São Paulo. Está lá: Russomano (PRB) 26%, Marta Suplicy (PMDB) 10%, Erundina (PSB) 8%, Haddad (PT) 7%, João Doria (PSDB) 6%, Andrea Matarazzo (PSD) 4%, Marco Feliciano (PSC) 4%, Delegado Olim (PP) 3% e Major Olímpio (SD) 2%. Lembrei de 12 anos atrás. Pelo Datafolha, em 27 de janeiro de 2012, o quadro era esse: Serra 21%, Russomano 17%, Netinho 11%, Soninha 09%, Paulinho 08%, Chalita 06%, Haddad 04%, Afif 03%, Fidelix 01%, Borges d’Urso 01%.


Em 2 de março, o quadro se repetia: Serra 30%, Russomano 19%, Netinho 10%, Soninha 07%, Paulinho 08%, Chalita 07%, Haddad 03%, Fidelix 01%, Borges D’urso 01%. Mas vi em outras pesquisas que, quando Haddad era associado a Lula, seu nome disparava. E no dia 4 de março de 2012 postei no meu Blog: “O povo paulistano está vendo no Brasil que está à sua volta um mundo inteiramente novo e bem melhor, no qual ele não está inteiramente inserido. O paulistano quer renovação, quer viver 100% o Brasil de Lula e Dilma”. E acrescentei: “a opção do PT por Haddad atende perfeitamente os anseios da população”.


Em 15 de junho, data equivalente à de hoje, tínhamos pequena evolução: Serra 30%, Russomano 21% e Haddad 08%. Na véspera da eleição, empate entre os três primeiros colocados: Serra 28%, Russomano 27% e Haddad 24%. O resultado do 1º turno foi Serra 31%, Haddad 29% e Russomano 22% e, no 2º turno, Haddad derrotou Serra por 55,6% a 44,4%.


Ficou confirmada a minha previsão de que o povo paulistano queria participar das mudanças que fizeram o país dar um grande salto à frente. Mas, e hoje, como fica? O país está inteiramente transtornado, imerso em um golpe cheio de espertezas e com o estigma da corrupção corroendo o mundo político. Não tem pesquisa que possa dar um norte (ou leste, oeste, seja o que for). No caso dessa pesquisa paulistana, apesar de Russomano se destacando, os principais nomes estão empatados em penúltimo lugar. Em último, felizmente, estão um feliciano, um delegado e um major. Infelizmente, não temos primeiros lugares. Nem segundos, nem terceiros – mas São Paulo acabará mostrando que sabe votar.

domingo, 1 de março de 2015

O FAROESTE CARIOCA


Toda a história do Rio Janeiro se caracteriza por uma espécie de “corrida do ouro” rumo ao Oeste e também por uma série de mal-entendidos. Em 1º de janeiro de 1502, o português Gaspar de Lemos descobriu o “Rio” de Guanabara (nesse caso, parece que não houve exatamente um erro: na época, “baía” seria “rio”) e, como era janeiro, chamou de Rio de Janeiro. A partir daí deu-se o início da organização do que seria a cidade. Organização?
Em 1555 os franceses ocuparam a região, mas foram expulsos em 1567 pelos portugueses, liderados por Estácio de Sá, que tinham chegado à região quase dois anos antes e tinham fundado, em 1º de março de 1565, naquele trecho entre o Pão de Açúcar e o morro Cara de Cão (veja a placa, com um “mal-entendido” de vírgula...), a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.
(Tempos atrás, em uma reunião onde havia um grupo de franceses, um conhecido intelectual carioca teria dito que houve um grande engano: “O Brasil deveria ter sido colonizado pelos franceses, não pelos portugueses. O culpado foi o Arariboia!” Pode não ter sido bem assim, mas a versão é engraçada...)
O Cara de Cão deve ter assustado os portugueses, que logo refundaram (em 1567 mesmo) a povoação no Morro do Castelo. A partir desse novo Centro, começou o Deus nos acuda da expansão. Na segunda metade do século XVII, o Rio já era a cidade mais populosa do Brasil (cerca de 30 mil habitantes), passando a ter importância estratégica, pela proximidade com a exploração de jazidas de ouro em Minas Gerais. Ganhou destaque como centro portuário e econômico e graças a isso, em 1763, o Marquês de Pombal trouxe a sede da colônia para cá. Em 1808, com a vinda da corte portuguesa, o Rio virou centro de decisão do Império Português.
Em 1890, a população já superava os 500 mil habitantes. Foi abolida a escravatura, foi proclamada a República e o Rio passou a enfrentar graves problemas sociais por seu crescimento rápido e desordenado – problemas que ainda se mantêm. Com o declínio do trabalho escravo, a cidade passou a receber imigrantes europeus e ex-escravos, atraídos por oportunidades de trabalho assalariado.
Aumentou a pobreza, agravou-se a crise habitacional, a violência ganhou terreno que insiste em ocupar até hoje. O crescimento desordenado deu início ao processo de favelização e foram adotadas várias reformas. A situação forçou a busca de mais espaço e mais qualidade de vida. O caminho natural foi rumo à orla (Sul) e ao Oeste.

A ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA PEGA O BONDE DA HISTÓRIA. OU FOI O CONTRÁRIO?

 A primeira linha de bonde (puxada por burros) é de 1859 e ligava o Largo do Rossio (Praça Tiradentes) ao Alto da Boa Vista. No final do século XIX, já tínhamos bonde elétrico convivendo com sistema puxado por burros, já estávamos circulando no Flamengo, em Botafogo, na Ilha do Governador, em Santa Teresa e até em Campo Grande e Santa Cruz. Logo o bonde chegou à ponta do Leme e à ponta de Copacabana, permitindo a comercialização de loteamentos. Até hoje não se sabe o que veio primeiro: o bonde ou a famosa especulação imobiliária...
Foi em 1892 que se abriu o Túnel Velho e se lançou a primeira linha de bondes para Copacabana, contribuindo para uma estratégia publicitária de vender o bairro como uma opção "moderna", com novo estilo de vida – embora, para alguns, na época, fosse apenas “recanto arenoso, sem habitação e cujo progresso seria muito lento". Mas realmente foi aí que se concretizou a ocupação da atual Zona Sul.
Em 1894, no mesmo dia em que a linha de bonde foi estendida até o Posto 6, o Barão de Ipanema inaugurou uma linha não oficial, ampliando o trajeto até a Villa Ipanema. Com isso começou a vender suas terras, principalmente a imigrantes alemães, franceses, judeus e italianos. Em 1902 a Villa contava com 118 residências, e seus moradores tinham que enfrentar alagados e vários focos de mosquitos.

A ZONA SUL COMEÇA A FICAR PRA TRÁS

No final da década de 40, o prefeito de plantão determinou: o transporte do futuro do Rio seriam os ônibus, não o metrô (um dos maiores enganos que nosso presente herdou do passado). Na década de 60, a população da cidade atingiu 3,3 milhões de habitantes, com cerca de 560 mil na Zona Sul. Apesar de ter deixado de ser a Capital Federal, o Rio tornou-se mais exuberante, com sua Zona Sul ganhando prestígio internacional, mas já dava sinais de saturação em certas áreas, principalmente Copacabana (o filme “Copacabana me Engana”, do Fontoura, é sintomático). Várias iniciativas de reforma foram feitas desde o Governo Lacerda. O Aterro do Flamengo e o Plano Policromático do urbanista grego Doxiadis são exemplos. Das seis linhas propostas nesse plano, foram construídas a Linha Lilás (que liga Botafogo ao Santo Cristo), a Linha Vermelha, a Linha Amarela e parte da Linha Verde (Avenida Automóvel Clube e o Túnel Noel Rosa). Nunca saíram do papel a Linha Marrom (que ligaria o Centro ao bairro de Santa Cruz, paralela à Avenida Brasil) e a Linha Azul (que ligaria a Zona Sul à Barra, de certa forma substituída pela Auto-Estrada Lagoa-Barra). O Plano Policromático (contra o qual a esquerda da época esbravejou) foi outro grande engano do transporte urbano: deixou à margem o transporte de massa. Negrão de Lima, eleito governador em 65 (e que foi quem construiu a Linha Lilás e ampliou a Avenida Atlântica, entre outras obras), percebeu a necessidade de repensar a cidade e convidou Lúcio Costa para fazer o Plano da Barra da Tijuca. O Plano Lúcio Costa, de 1969, parecido com o de Brasília, inspirou-se no urbanismo americano, com grandes avenidas e grandes espaços abertos (hoje fechados pelos engarrafamentos...), e marcou o início do estilo de vida peculiar da Barra. Mas o “futuro” repetiu o equívoco de tirar espaço do transporte de massa.

O FUTURO SERÁ UMA BARRA?

Entre 1960 e 2010, a população da Grande Barra da Tijuca (Barra da Tijuca, Joá, Itanhangá, Camorim, Vargem Pequena, Vargem Grande, Recreio e Grumari) passou de 2.580 pessoas para 300.000. E a conquista do Oeste passou a ser mais e mais a esperança na conquista de um futuro sorridente para o Rio. Infelizmente, os enganos de origem continuam. Nos transportes, por exemplo, os BRTs, por melhor que sejam, não podem ser considerados exatamente transportes de massa. Mas as Olimpíadas realmente trouxeram a chama da esperança de um futuro sem faroeste. E é isso que esperamos, porque eu, você, moramos, sem medo de cometer engano, na cidade mais linda do mundo. Apesar dos pesares, obrigado por tudo, Rio!

Fiz esse texto por amor ao Rio. Foi aqui que nasceram minha mulher e meus quatro filhos, foi onde tive mais de 50% dos meus 70 endereços, e de onde eu não quero sair nunca.

Nota. A base das informações é de uns alguns anos e perdi as fontes, por isso não cito.
Imagens dos sites: Copacabana em Foco (https://ama2345decopacabana.wordpress.com/planejamento-urbano/processo-de-urbanizacao-em-copacabana/), Blog de Aventuras (http://www.aventurasdorio.com/2011_01_21_archive.html) e Carvalho Hosken (http://carvalho.oficinainterativa.com.br/site/barra-da-tijuca-ontem.aspx)


segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

TUCANO PASSA, TUCANO VOA, E AS MANCHETES DO SEU TEMPO PUNGUEIAM NUMA BOA...



Fernando Henrique sentiu o golpe. Foi só Dilma lembrar que a roubalheira deveria ter sido investigada desde a década de 90 que ele subiu nas tamancas e levou o seu sorbonês ao nível mais baixo do momento. Insinuou que a Presidente é punguista!!! Não entendo mesmo esse Fernando Henrique – além de querer se passar por rei da cocada preta, faz de conta que não lembra dos seus desatinos de governo, tenta insinuar que hoje vivemos muito pior do que nos tempos dele. Para refrescar a memória, recuperamos algumas manchetes publicadas pelo Globo há exatamente 16 anos, quando Fernando Henrique – como Dilma – iniciava o seu segundo mandato. Hoje é 23 de fevereiro? Então vejamos o Globo do dia 23 de fevereiro de 1999: “ACM diz que intromissão do FMI fere a soberania”, “Inflação sobe para 2,64% após a desvalorização do real”, “Quem foge de problemas é traidor, diz FH”.
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Outras manchetes históricas: “FMI pedirá ao Governo novas medidas de ajuste fiscal” (dia 1º/ fev), “Juros vão a 39% e dólar cai pela primeira vez em 20 dias” (2/fev), “Mudança no comando do BC faz o dólar despencar” (3/fev), “Governo propõe congelar prestação em dólar até abril” (4/fev), “Revisão de acordo com o FMI prevê ajuste ainda mais duro” (5/fev), “Manifesto de governadores irrita FH e interrompe o diálogo” (6/fev), “Ajuste fiscal vai conter o aumento do mínimo” (7/fev), “Fundação Getúlio Vargas prevê inflação de 8% no primeiro trimestre” (10/fev). Tem essa bem atual: “Carnaval da crise lota Sapucaí de estrangeiros” (15/fev). E olha essas: “Crescimento da economia no Brasil é o pior desde 1992” (20/fev), “Queixas contra o sistema financeiro batem recorde” (21/fev). Temos também: “BC intervém de novo mas não consegue acalmar o mercado” (25/fev) e “ACM: Senado não permitirá que FMI decida onde cortar” (28/fev).
Como dá para perceber, as manchetes econômicas do tempo de Fernando Henrique não deixam nada a desejar. São arrasadoras. Com o agravante de que as notícias na área social nem existiam... Mas você agora vai perguntar: “E a corrupção? E a Petrobras?” Pois é, fiz a busca com essas palavras e surgiram 93 páginas para o ano de 1999. Mas não encontrei grande destaque no mês de fevereiro. As manchetes devem ter sido pungueadas...

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

O Ocidente perdeu a autoconfiança

Bem interessante esse texto de Gideon Rachman (Financial Times). Dá uma boa discussão. Reproduzo, com tradução rápida.

O Ocidente perdeu a autoconfiança
(The west has lost intellectual self-confidence)
Gideon Rachman

Na primeira metade da minha vida, a política internacional foi definida pela Guerra Fria. A queda do Muro de Berlim encerrou aquela era e começou outra: a era da globalização. Agora, 25 anos depois, parece que estamos mais uma vez testemunhando o fim de uma era.
A sensação de que as coisas estão mudando é mais forte no campo das ideias. Nos últimos anos, o Ocidente perdeu a confiança na força dos três pilares em que o mundo pós-guerra fria foi construído: o mercado, a democracia e o poder americano.
Os sucessos dessas três ideias estavam, evidentemente, interligados. Terminada a guerra fria, era natural perguntar por que o sistema ocidental prevaleceu. A conclusão óbvia foi que os sistemas baseados no mercado e na democracia tinham simplesmente superado economias e  políticas sob comandos autoritários. Como dizia o ditado popular: "A liberdade funciona". Acontece que os EUA não eram apenas a única superpotência sobrevivente. Os Estados Unidos também gostavam de hegemonia intelectual.
Após a queda do Muro, houve um novo vigor a partir da expansão da economia de mercado e das políticas democráticas em todo o mundo. Era natural que o consenso de mercado livre defendido pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional viesse a ser conhecido como o "Consenso de Washington".
A política resultante do Consenso de Washington teve a crença de que a democracia acabaria por triunfar não apenas no leste da Europa, mas em todo o mundo. E nos anos 90, em países tão diversos como a África do Sul, o Chile e a Indonésia, de fato houve transições inteiramente bem sucedidas para a democracia. Por trás desses desenvolvimentos econômicos e políticos havia o fato de que os EUA eram incontestavelmente a superpotência global e o centro do sistema militar e estratégico em todo o mundo – da América Latina à Ásia Oriental, Oriente Médio e Europa.
De certo modo, esse é o mundo em que vivemos até hoje. No entanto, há dúvidas crescentes no Ocidente sobre a trindade de ideias em torno do qual o mundo pós-guerra fria foi construído: o mercado, a democracia e o poder americano. Em cada caso, houve fatos que minaram a certeza disso.
A fé nos mercados livres foi fortemente abalada pela crise financeira de 2008 e a subsequente Grande Recessão – e nunca se recuperou disso. Embora a depressão global que muitos temiam tenha sido evitada, a crença exuberante na capacidade dos mercados livres para elevar os padrões de vida em todo o mundo não voltou. Em grande parte do Ocidente, em vez disso, o debate econômico foi dominado pela discussão sobre a desigualdade de renda – com a Europa contribuindo com uma ansiedade extra em relação ao Euro e à alta taxa de desemprego. As estrelas dos mercados emergentes, como o Brasil e a Índia, perderam o charme, e até mesmo a China está reduzindo o ritmo. A crença de que existe uma fórmula baseada no mercado em que todos os formuladores de políticas sensatas podem se basear – um "consenso de Washington" – evaporou-se, para ser substituída por uma falta de consenso mundial.
Por sua vez, o “evangelismo democrático” foi abalado pelos horrores desencadeados pelas revoltas árabes. A onda de mudança revolucionária que atingiu o Oriente Médio em 2011, inicialmente, parecia o equivalente árabe da queda do Muro de Berlim. Sistemas autoritários foram caindo e novas democracias pareciam estar surgindo. Mas o fracasso da democracia em criar raízes em qualquer um dos países que sofreram revoluções – com a exceção da Tunísia – minou a fé no avanço inevitável da liberdade política.
Da mesma forma, é preocupante uma crescente descrença na capacidade das democracias tradicionais em garantir governos competentes. Nos EUA, o respeito pelo Congresso alcança seus níveis mais baixos. Em países europeus, como Itália e França, os sistemas políticos parecem incapazes de garantir reformas ou crescimento – e os eleitores estão flertando com partidos extremistas.
O terceiro pilar da globalização era o poder americano. Isso também parece menos confiável do que há uma década. Aqui, o fator principal foi a guerra do Iraque. Esse conflito, desencadeado pelo presidente George W. Bush, inicialmente parecia uma demonstração triunfante do poder americano com Saddam Hussein sendo varrido. Mas a incapacidade dos Estados Unidos para estabilizar o Iraque ou o Afeganistão, apesar de muitos anos de esforço, demonstraram que, apesar de os militares americanos poderem destruir um regime hostil em semanas, não podem garantir um pós-guerra estável. Mais de uma década depois da queda de Bagdá, os Estados Unidos estão de volta à guerra no Iraque – e no Oriente Médio inteiro há um violento estado de anarquia.
A ascensão da China também levantou questões sobre como é que o longo reinado dos Estados Unidos como "superpotência única" pode continuar. Em outubro, o FMI anunciou que – em termos de poder de compra – a China é hoje a maior economia do mundo. Ela ainda está a quilômetros de alcançar o nível americano na política internacional. Mas a capacidade e a vontade dos Estados Unidos de manter o seu papel de hegemonia global é uma questão em aberto.
Dito isso, vale lembrar que a queda do Muro de Berlim aconteceu num momento em que muitos nos EUA estavam obcecados pela ascensão do Japão. Isso serve como lembrete de quão rápido o mundo das ideias pode se transformar e as preocupações da moda podem desaparecer. Mas, enquanto esse início de ano mostra um renascimento da economia norte-americana, o renascimento da autoconfiança ocidental ainda parece bem distante.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Fernando Henrique quer avançar com um passo à frente e dois pra trás.




Fernando Henrique é esperto. Bem formado e informado, usa as palavras astutamente na busca de vender o seu pássaro, digo, o seu peixe. No artigo que publicou domingo, “Inovar na política”, tenta convencer que inovar significa retroceder ao passado tucano. Aponta suas penas em várias direções, na esperança de provar que os tucanos não voam para trás. E nesse afã acaba, com todo o respeito, cometendo algumas papagaiadas.
Diz que “na última década renasceu no Brasil a ilusão de que tudo seria feito e ‘salvo’ pelo Estado”. Quem afirmou algo assim?
Está cabendo ao Estado fazer o que é preciso fazer e que não era feito (ou não era bem feito) nem pelo Estado nem pelo não-Estado. Alguém tinha que fazer. E os governos dos últimos 12 anos fizeram o possível e o impossível para preencher lacunas deixadas. Conseguiram alguns sucessos importantes. Por exemplo, quando Fernando Henrique deixou o governo, o analfabetismo era 11,9% em 2013 (os dados da última administração publicados pelo Globo no dia 1º são praticamente todos de 2013) tinha caído para 8,5%. A mortalidade infantil era de 26,04% caiu para 15,02%. A população com acesso à rede de esgoto era 44% – subiu para 55,9%. A inflação estava em 12,53% caiu para 6,38%. A taxa de desemprego, 9,1% caiu para 6,5%. O PIB per capita era R$ 8.382,24 subiu para R$ 24.065,00. O investimento estrangeiro direto era de US$ 16,6 bilhões – subiu para US$ 60 bilhões. O salário mínimo era de 200 reaischegou ao final de 2014 a 724 reais (em 2015 já está em 788 reais). Isso sem falar do Minha Casa Minha Vida, que antes não existia nada similar. Você vai perguntar agora – e o crescimento econômico? Realmente o crescimento econômico sobre o PIB está longe do desejado – era de 2,7% em 2002 e a previsão para 2014 é de 0,14%. E houve outros problemas sérios. Corrupção e reação neoliberal muito forte (no Brasil e no mundo). Mas nada justifica bater asas rumo ao passado, a não ser a decisão pura e simples de aninhar-se na ideologia tucana. Nesse ponto, Fernando Henrique manda um dos seus tijolaços (perdão, Brizola; desculpa, Fernando Brito) para acariciar o neoliberalismo: “Quem sabe superaremos o primitivismo político de considerar como 'neoliberal' tudo o que é necessário fazer para que as finanças públicas e a administração funcionem bem, respeitando suas possibilidades reais, mais ou menos elásticas conforme as circunstâncias, mas nunca infinitas, propiciando um clima favorável para que as pessoas, as organizações e as empresas possam expandir suas potencialidades”. Ora, Fernando Henrique, não tergiverse. A questão é de foco. Hoje, o foco está direcionado ao campo social, uma busca incessante para atender em primeiro lugar à população mais pobre. Já o “mercado”, por pior que esteja, vai bem, obrigado. Não precisa exatamente ser focado. Ao contrário, deveria apoiar (desculpe a ingenuidade...) o enfoque predominante. O seu governo baixou a crista, tirou o sapato, diante do Consenso de Washington, o laissez-faire econômico que levou à crise de 2008. Fica até engraçado quando lemos: “Sendo progressista, portanto, 'de esquerda', desejo que se consiga alcançar ‘consensos’ (aspas minhas) que melhorem o sistema político partidário, dando-lhe certa coerência ideológica”. Que Fernando Henrique me desculpe, mas não há consenso em considerá-lo “progressista” e/ou “de esquerda”. No passado remoto, pode ser; mais recentemente, o passado condena. Quando apresenta propostas para a reforma política, até que inicialmente parece estar no caminho certo: “Para dar passos iniciais bastam três emendas à Constituição: voltar a aprovar a 'cláusula de barreira' (...); proibir as coligações entre partidos nas eleições proporcionais; e vedar o uso de marketing político nas TVs. A TV seria usada apenas para debates entre candidatos ou para suas falas diretas à audiência”. Aqui, no final, há certo despreparo, já que tanto “debates entre candidatos” quanto “falas diretas à audiência” são também partes do marketing político. Para controlar os altos custos de campanhas (e torná-las mais democráticas) basta o fim do financiamento empresarial . Os partidos terão com isso que reduzir radicalmente seus custos de produção (a veiculação já é gratuita, ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, que é paga e com efeitos negativos para a democracia).
Logo em seguida, Fernando Henrique defende o voto distrital, hoje criticado em países que adotam (vale consultar o Fair Vote americano). Mas todo o seu blábláblá tem o objetivo único de tentar vender para o seu bando tucano a diferença que ele faz entre o PSDB e o PT. Tenta parecer agradável, quando diz que os dois partidos são “primos”. Mas logo em seguida enche o texto de bicadas. Segundo ele, o PSDB seria mais contemporâneo, porque “reconhece explicitamente a necessidade de dar ao mercado o papel que lhe corresponde nas sociedades contemporâneas, da mesma forma que não atribui ao Estado todas as virtudes”. Ora, isso o PT também faz. A questão é, primeiro, definir exatamente que papel do mercado é esse e, segundo, não atribuir ao mercado todas as virtudes. Com os pés firmes no chão, fico com a certeza de que voar é com os pássaros. Mas voar pra trás é com os tucanos de Fernando Henrique.

domingo, 23 de novembro de 2014

O próximo passo


Governar não é a arte do impossível – mais do que qualquer outra coisa é simplesmente a arte do possível. Dilma está (aparentemente) demonstrando isso, principalmente nesse início de segundo mandato. Não dá para governar enfrentando os donos do capital/comunicação e sair impune. A campanha eleitoral recente deixou isso bem claro. E Dilma começa essa nova fase dando mostras de que entendeu o recado. Sem um Congresso confiável e a corrupção entranhada no país inteiro não há como bater no peito e declarar “ganhei a eleição e fim de papo”. Ganhou-se apenas uma eleição, não uma revolução. E mesmo nas revoluções é preciso saber dar um passo atrás e dois à frente. É difícil engolir a fazendeira Kátia Abreu como possível Ministra da Agricultura. Ou os representantes do mercado assumindo a direção de nossa economia. Mas esse é o momento para as esquerdas saberem se unir e ganhar força para novas conquistas e, como primeiro passo, mobilizar o país por uma reforma política profunda. Talvez isso possa compensar o desânimo de pessoas como Janio de Freitas em (mais um de seus excelentes artigos) “O primeiro passo”, publicado neste domingo, na Folha.
O primeiro passo
Janio de Freitas
Folha, 23/11/2014

A escolha de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, vista de fora, é uma decisão política, não econômica. Faz supor uma escolha de Dilma Rousseff por temor da voracidade com que os conservadores ambicionam a retomada do Poder perdido. Presenteia-os, parece, na suposição de aplacá-los.
De fora, ainda não há como saber –e muito menos crer– de algum entendimento prévio sobre linha de política econômica que possa tornar a escolha mais inteligível. Seja como for, coerente com o sentido da campanha de Dilma, não é.
A escolha não tem coerência nem com o momento em que é feita. Na manhã mesma em que fez uma reunião para definir a escolha, liberada não oficialmente à tarde, o caderno "mercado2" da Folha apresentava como manchete: "Desemprego recua em outubro e atinge 4,7%; renda bate recorde". A seção "Economia" do "Globo", com uma nota na primeira página, também dava como manchete: "Emprego em alta, renda recorde".
Aos dois jornais não faltaram, claro, o "mas" e o "apesar de". Ainda assim, das manchetes pode-se entender que a economia esteja mais para o massacrado Guido Mantega do que para o Joaquim Levy que bem poderia ser ministro em um governo de Aécio Neves.
O histórico de Joaquim Levy não deixa dúvida sobre o seu conservadorismo, posto em prática evidente ao menos desde que foi secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento no governo Fernando Henrique. Conservadorismo confirmado no governo Lula, quando foi um dos inspiradores da política econômica que consagrou Antonio Palocci nos setores do domínio financeiro. E conservadorismo consolidado como secretário do Tesouro, quando Levy foi o ponto de resistência a gastos e outras medidas de linha social pretendidas no governo Lula.
Caso o histórico não baste, o presente garante: se não fosse adepto de concepções do conservadorismo neoliberal, Joaquim Levy não seria diretor do Bradesco. O que prova não se tratar, até agora, de pessoa incoerente.
Também sem comunicação oficial quando escrevo, a apontada indicação da senadora Kátia Abreu para a Agricultura sugere, ou confirma, uma disposição incomum de Dilma Rousseff para incrementar problemas com as correntes não conservadoras. A senadora exerce com muita competência a liderança do agronegócio e dos grandes proprietários de terra. Mas nem todos os interesses que defende coincidem com o que deveriam ser objetivos do governo, de todo governo.
Dilma Rousseff entra no segundo mandato devendo muito para reparar os desempenhos deploráveis do seu governo em três capítulos da desgraça nacional: o problema indígena, sem as demarcações territoriais devidas e com o genocídio em progressão; a questão fundiária em geral, com imensos territórios tomados e explorados; e, ainda e sempre, a reforma agrária, pendente de correções e de avanços. Três assuntos em que o responsável pela Agricultura tem deveres e poderes muito grandes. Três assuntos em que os interesses representados pela senadora Kátia Abreu conflitam, em todos os sentidos desta palavra, com as vítimas e com as obrigações e as dívidas administrativas e sociais do governo Dilma.
O primeiro movimento para o novo governo parece feito em marcha a ré.